A Empresa de Planejamento Energético (EPE) do Ministério de Minas e Energia publica anualmente o Balanço Energético Nacional (BEN) do Brasil. É um trabalho estatístico de fôlego, um mapeamento completo das fontes e usos da energia no Brasil. Além dos dados do ano, ele contém séries históricas que, em muitos casos, iniciam-se em 1970. É um documento útil e fascinante. Minha intenção hoje é abordar resumidamente alguns aspectos do BEN que considero importantes para nos manter informados sobre os desafios energéticos do Brasil. A menos que seja mencionada outra referência, as Figuras e dados aqui utilizados estão disponíveis ao público no site da EPE: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-ben.
Comecemos do início, para entender o longo percurso da energia das fontes até seu uso final. Para tanto, o diagrama esquemático do fluxo energético da Figura 1 é muito útil. A Figura 1 será repetida várias vezes abaixo, para o leitor poder acompanhar o texto, sempre olhando para o diagrama.
Figura 1 – Diagrama do fluxo energético.
A Figura 1 deve ser lida de baixo para cima e da esquerda para a direita. O fluxo de energia é dividido em dois grandes blocos: o bloco do Setor Energético que tem a ver com a Produção da energia para o segundo bloco, o Consumo Final Total.
Na linha logo acima, começamos à esquerda com a Energia Primária. Esta é toda a forma de energia que a Natureza nos entrega, sob múltiplas formas, nem todas imediatamente utilizáveis. A lenha é uma fonte primária de energia. Já a eletricidade não nós é entregue pela Natureza numa forma imediatamente consumível. Não podemos usar a eletricidade de um raio para recarregar nosso telefone celular, infelizmente. Logo após vem o setor da Transformação. Neste setor, energias primárias são convertidas em outras formas de energia mais convenientes para o consumo. Ele inclui refinarias de petróleo que produzem gasolina e diesel à partir do petróleo, coletores fotovoltaicos que convertem energia solar em eletricidade, usinas hidrelétricas que convertem a energia hidráulica em eletricidade, usinas que produzem hidrogênio, etc… As energias Secundárias são todas aquelas formas de energia primária que passaram por algum processo de transformação, afim de tornar seu uso mais conveniente para nós. Elas formam a maior parte da energia que usamos.
Agora, podemos começar com a terceira linha de baixo para cima. Logo à esquerda, temos a produção de energia primária. É aqui que a energia que utilizamos começa a sua vida. Há muitas formas de energias primárias. Todas elas, com duas exceções, têm origem na energia solar, fósseis, hidráulica, eólica, fotovoltaica, biomassa, para citar as principais. A primeira exceção é a energia gravitacional. A segunda é a energia nuclear, sob forma de energia de fissão ou de fusão. À energia primária gerada em seu próprio território vem se adicionar a energia primária importada (petróleo importado, por exemplo) e o uso de estoques de energia. A soma destas três quantidades compõe a Oferta Total Primária. Desta, subtraem-se as quantidades exportadas e as não-aproveitadas ou reinjetadas (como quando gás é reinjetado em poços de petróleo para aumentar seu rendimento) para produzir a Oferta Interna Bruta.
A Oferta Interna Bruta tem três destinos. Parte pode ser perdida (o gás metano que é queimado em poços de petróleo, por exemplo, ou a água da hidrelétrica que não é utilizada para mover as turbinas), parte pode ser aproveitada diretamente – o chamado Consumo Final Primário – como a lenha usada como combustível, e o restante vai para os centros de transformação. Estes centros transformam a energia primária em energia secundária, que é mais útil para nós. Há dois tipos de energias secundárias: combustíveis e eletricidade. Combustíveis podem ser sólidos (lenha, carvão,…), líquidos (gasolina, etanol, diesel,…) ou gasosos (gás natural, hidrogênio,…). Já a eletricidade é uma só (cuidado com choques!).
Combustíveis saem, principalmente, de refinarias ou de usinas de álcool e biodiesel. Já a eletricidade é produzida em muitos centros de transformação diferentes: usinas hidrelétricas (água), usinas eólicas (vento), usinas fotovoltaicas (sol), termoelétricas (queimam diferentes formas de combustíveis – o principal é o carvão, mas pode ser gás, biomassa, óleo combustível ou até, diretamente, a luz do Sol, que não é um combustível, mas esquenta bem – para gerar vapor e movimentar conjuntos turbina/gerador), eletronucleares (usam a energia de fissão nuclear para gerar calor – daí em frente são como as termoelétricas convencionais). Os centros de transformação têm gastos energéticos que podem ser bem elevados. Em primeiro lugar, as leis da Termodinâmica impedem a transformação completa de uma forma de energia em outra – sempre há um custo, medido pela eficiência dos processos, que tem um teto absoluto definido pela Segunda Lei da Termodinâmica, não importando os detalhes da tecnologia empregada. Em segundo lugar, há os custos energéticos associados à fabricação dos equipamentos, a sua operação e manutenção, bem como aqueles associados ao transporte dos combustíveis e tratamento dos resíduos. Este último item é onde as usinas termonucleares se tornam uma dor de cabeça infernal. Ninguém sabe muito bem o que fazer para se livrar do lixo nuclear que produzem. Tudo isto explica as perdas de transformação. A produção secundária de energia é o total líquido que sai dos centros de transformação.
À energia secundária produzida, somam-se as importações e as variações de estoques, que todas juntas compõem a oferta total secundária. Parte desta oferta, pode ser exportada e parte não chega a ser aproveitada por inúmeras razões. Temos, então, a Oferta Interna Bruta de energia do País. Mas, ainda falta um detalhe. Entre a saída dos centros de transformação e a chegada ao consumidor final, ainda há muitas perdas a serem contabilizadas. No caso da eletricidade, a resistência elétrica dos fios condutores transforma parte da energia elétrica em calor. Quanto mais longas foram as linhas de transmissão, maiores as perdas. Ainda há, ao longo do caminho até chegar no consumidor final, uma série de centros de distribuição, cheios de transformadores, onde também há perdas. Mais tarde, voltaremos ao assunto. Parte da energia dos combustíveis é empregada para transportá-los até ao consumidor final. Ela pode ser tratada como uma perda, se bem que nos balanços nacionais ela é usualmente incorporada como consumo final do setor de transportes. Finalmente, parte da energia secundária serve para realimentar as necessidades energéticas dos próprios centros de transformação.
O Consumo Final Total é a soma dos consumos finais primário (que veio lá do início da cadeia energética) e secundário. Ele pode ter um uso energético (a maior parte) ou uso não energético (como, por exemplo, o óleo lubrificante que sai das refinarias).
Finalmente, uma observação essencial. Os balanços energéticos fala em consumo de energia. Isto é um abuso de linguagem e, tecnicamente, um erro grosseiro. Energia não se consome. Ela se conserva absolutamente. O mais correto seria falar, como muitos o fazem, em uso de energia. Você não é um consumidor de energia. Você é um usuário.
Chegamos, assim, ao fim da descrição do fluxo energético de um país moderno. Falta agora colocar números neste esqueleto.