Demografias II – Brasil, México e tantos outros

Demografias II – Brasil, México e tantos outros (dados do Our World in Data e suas fontes primárias, ali indicadas)

No Post anterior, mostrei dados demográficos sobre o Brasil de 1960 a 2021. O que eles nos mostram é um país com uma população urbana em explosão (grande, porém modesta se comparada com os outros exemplos que mostro hoje), fertilidade em queda, e com bons indicadores de mortalidade infantil e expectativa de vida. Vou continuar neste post, a insistir na importância da demografia e na riqueza de informações que ela nos permite inferir sobre os países. Começo pelos dados do México. É difícil imaginar dois países com histórias, geografias, e culturas mais distintas do que os dois maiores países da América Latina. A Figura 1 reproduz os dados do Brasil (para poupar a leitora de um ir e vir nos posts) e do México.

Figura 1(a) – Brasil.


Figura 1 (b) – México.

As semelhanças entre os dois países são evidentes. Como no Brasil, no México a população urbana cresceu quase 6 vezes. A queda de fertilidade é muita parecida com a nossa e a população rural continuou a crescer. Ela só começa a diminuir, e mesmo assim lentamente, neste milênio. 

Na Figura 2, mostro os outros indicadores.

Figura 2(a) – Brasil: Mortalidade infantil de crianças até 5 anos e expectativa de vida.


Figura 2(b) – México: Mortalidade infantil de crianças até 5 anos e expectativa de vida.

Novamente percebem-se as similaridades entre Brasil e México na Figura 2(b). Ambos os países mostram uma redução de um fator de 10 na mortalidade infantil e um ganho de 20 anos (Brasil) e 15 anos (México) na expectativa de vida. O México começa o período com uma expectativa de vida melhor do que a do Brasil (55 anos versus 52,7 anos, respectivamente), mas os ganhos naquele país perdem o folego neste milênio. A partir de 2000, o México começa a ficar para trás em relação ao Brasil em matéria de expectativa de vida. Como a mortalidade infantil apresenta um índice até melhor do que o nosso, é claro que a população adulta do México está sofrendo algum ataque. Excluo aqui o período da COVID, em que o índice “leva um tombo” muito semelhante nos dois países. Não conheço o México suficientemente para me arriscar a um diagnóstico. Mas, não ficaria surpreso se as intermináveis guerras entre os cartéis da droga não tenha algo a ver com o fenômeno. Grandes semelhanças entre dois países fundamentalmente diferentes - há causas comuns. Como não dá para generalizar uma curva a partir de dois pontos, vamos tomar estes dois casos apenas como um ponto de partida. Continuo, portanto olhando para outros países (e continentes). Começo pela África e, nela, pelo Egito. 


Figura 3 – Egito.

O Egito nos introduz a algo diferente. Valeu a pena a excursão até as pirâmides. Em primeiro lugar, a sua população rural, ao contrário da nossa, não parou de crescer. A fertilidade caiu muito menos do que no Brasil ou México. O que oferece um pequeno apoio para minha hipótese de que a urbanização tem tudo a ver com a queda de fertilidade. Fica o mistério de entender a razão pela qual a expectativa de vida, que cresceu bem entre 1970 e 1990, de 50 para 64 anos, inflete a partir deste último ano. Nas duas décadas seguintes, até 2010, ela passa de 64 para 70 anos. Como não poderia deixar de ser a pandemia deixou sua marca também, ainda que menos acentuada do que no Brasil e no México. Ponto para o Egito, que parece ter cuidado melhor da saúde de sua população! A mortalidade infantil, entretanto, melhora substancialmente entre 1960 e 2021: cai de 32% (!) para “meros” 2%. Relembro que a mortalidade infantil inclui crianças de até 5 anos. Ou seja, em idade pré-escolar. Passemos agora a um outro país africano, nosso “primo”: Angola.

Angola é um caso complicado de apresentar graficamente por causa do crescimento absolutamente explosivo de sua população urbana. Por isso, ela ganha dois gráficos.


Figura 4(a) – Angola sem dados da mortalidade infantil e expectativa de vida.

Dos casos que analisei, Angola é o que mostra o maior grau de urbanização no período relativamente curto de meio século. A sua população urbana cresce por um fator de mais de 40 (!), enquanto a população rural apenas dobra. A fertilidade mantém-se bastante estável, mostrando uma tendência de queda a partir de meados de 1980. Angola parece ser um caso de “falsa” urbanização, impulsionada provavelmente pela fuga das vilas e vilarejos para escapar da violência de uma guerra civil. Ou seja, uma urbanização estimulada não apenas pelas atrações da cidade, mas pela repulsão da vida isolada. Angola começa o período com 560 mil pessoas declaradas “urbanas” e 4,8 milhões como “rurais”. Ela leva 40 anos para, no ano 2000, equilibrar as duas populações, em 8,2 milhões de pessoas em cada categoria. Ou seja, a população urbana cresceu quase 15 vezes, enquanto a rural dobrou. Mais vinte anos e as populações urbana e rural chegam, em 2021, a, respectivamente, 23 e 11 milhões (em números redondos). A permanência de uma grande população rural, que continua ruralizada nos centros urbanos incapazes de absorve-las, pode explicar, talvez, a fertilidade mais ou menos estável. 


Figura 4(b) – Angola. A figura reproduz duas das curvas da Figura 4(a) (fertilidade e população rural relativa), adicionando a expectativa de vida, em décadas, e a mortalidade infantil até os 5 anos, por cada 10 crianças nascidas.

A expectativa de vida evoluiu pouco entre 1960 (38,2 anos) e 1994 (43,4 anos). Efeitos da guerra civil? Provavelmente. Nos vinte e poucos anos seguintes, ela chega a 62,3 anos, com um pequeno efeito de pandemia. Foram mais ágeis no seu combate do que nós? Ou as estatísticas mentem. Para a mortalidade infantil, os dados começam somente em 1980 (23,6%). Em 2021, ela está em 6,9%, um número bastante alto e que tem a ver, com certeza, com a “falsa” urbanização do país.

Encerro meu périplo africano com a Nigéria, a qual, tal como Angola, vai exigir dois gráficos para maior clareza da apresentação dos dados.

 Figura 5(a) – Nigéria: população e fertilidade.

Tal como Angola, mas em menor grau, a população urbana da Nigéria tem um crescimento explosivo. Ela parte de 7 milhões em 1960, versus 38 milhões da população rural, para atingir 112,6 milhões em 2021, versus 100 milhões da população rural. O equilíbrio das duas populações só ocorre por volta de 2017. O comportamento da fertilidade é típico, segundo minha hipótese, de uma população rural.

Figura 5(b) – Nigéria. Expectativa de vida em décadas e mortalidade infantil até 5 anos por cada 10 crianças nascidas.

A expectativa de vida na Nigéria parte de 38,2 anos em 1960 e cresce até 46,3 em 1980. A partir daí, ela fica estagnada por 17 anos, só retomando o crescimento no final do século, para chegar a 52,7 anos em 2021. As guerras podem ter este efeito perverso sobre a expectativa de vida - os palestinos de Gaza que o digam. O efeito da pandemia aparece entre 2019 e 2021, mas é bastante fraco. Já a mortalidade infantil cai de 32,5% em 1964 para 11,1% em 2021. Claramente, a Nigéria tem um grande problema com a saúde de suas crianças. Até que ponto isto se deve a sua importante população rural (100 milhões de pessoas, um pouco menos da metade da população brasileira) não posso determinar com os dados de que disponho. Mas, estou disposto a fazer uma (pequena) aposta que assim é. Basta olhar para a grande fertilidade. Onde se nasce muito, morre-se muito também.

Por hoje, fico por aqui, depois desta rápida viagem entre a América Latina e a África. O caso das três maiores potências militares do mundo, Estados Unidos, China e Rússia, de alguns países europeus e asiáticos estão ainda por vir.