Na Parte 2, apresentamos os conceitos básicos dos fluxos energéticos. Agora, chegou a hora de começar a colocar números nos fluxos, olhando para os grandes números.
Como vamos falar de números, é preciso definir algumas unidades de energia. A unidade básica é o Joule. As unidades de espaço (metro), tempo (segundo) e massa (quilograma) são unidades que, por assim dizer, podemos pegar na mão e visualizar. A energia, entretanto, é mais abstrata. Como visualizar uma “capacidade de realizar trabalho”? Um Joule é a energia de movimento de um corpo de um quilograma de massa movendo-se à velocidade de 1 m/s ou 3,6 km/h. Esta velocidade é a de uma pessoa caminhando moderadamente. O impacto de um corpo de um quilograma arremessado contra nosso corpo a esta velocidade será, com certeza sentido, mas não causará maiores danos a uma pessoa normal. Uma bola de futebol deve pesar entre 410 e 450 gramas (0,41 e 0,45 kg). O Guinness registra uma velocidade recorde de 129 km/h para um chute no futebol. Para uma bola no limite superior de peso, isto equivale a uma energia de 288 Joules. Há um recorde não oficial de um chute fazer a bola disparar a 222 km/h, atribuído ao jogador Ronny, brasileiro, do clube português Sporting de Lisboa, em novembro de 2006. Esta bola possuía uma energia de movimento de 856 Joules! Apesar da velocidade menos do que duas vezes à daquela registrada no Guinness, a energia é quase três vezes maior! Isto porque a energia de movimento cresce com o quadrado da velocidade. Um corredor de 65 kg fazendo 100m rasos em 10 segundos (muito próximo do recorde mundial) teria uma energia de movimento de 3250 Joules. Como unidade de energia para expressar o balanço energético de um país o Joule é ridiculamente pequeno. Por isso, usam-se unidades muito maiores como a tonelada equivalente de petróleo que equivale a 41,84 bilhões de Joules (1 bilhão de Joules = 1 gigajoules = 1 GJ). Mesmo esta unidade é pequena.
Olhemos a Figura 1: os valores são expressos em milhões de toneladas equivalentes de petróleo, ou seja em milhões de bilhões de Joules, ou petajoules (PJ). É muito difícil imaginar números destas magnitudes. O melhor que podemos fazer é ir nos habituando com eles, até que, apesar de impossíveis de imaginar, eles tornem-se familiares. De qualquer modo, estaremos comparando números imensos com outros números imensos. Isto facilita um pouco nossas vidas.
Figura 1 – Fontes e usos da OIE do Brasil em 2023, em unidades de milhão de tonelada-equivalente de petróleo (tep).
Voltemos, então à Figura 1:Na coluna da esquerda, as fontes de energia primária do balanço energético brasileiro são apresentadas em valores decrescentes de cima para baixo. No topo, o petróleo e derivados, com 108 milhões de toneladas equivalente de petróleo (4,52 bilhões de bilhões de Joules ou Exajoules – 4,52 EJ – duas letrinhas a lembrar).. Logo abaixo, vem a biomassa, uma fonte renovável muito importante de energia primária na matriz energética do Brasil: 47 milhões de toneladas equivalente de petróleo ou seja 1,97 EJ. Segue-se a energia hidráulica e assim por diante. No total, a Oferta Interna de Energia (OIE) é de 12,7 EJ. Em 2019, a oferta total de energia primária global foi de 606 EJ. O OIE do Brasil representa pouco mais de 2% da oferta primária global. Mais ou menos em linha com o tamanho da economia brasileira em relação à economia mundial. Na coluna da direita são apresentados os usos finais da energia por setor. Vamos que 60% do total está concentrado em dois setores: transporte e indústria. O total das perdas é de cerca de 10%.
Figura 2 – Fontes e usos da energia elétrica do Brasil em 2023, em unidades de terawatt-hora (TWh – trilhão de watt-hora).
Na Figura 2, apresentamos as fontes e usos da energia elétrica, um subconjunto das energias mostradas na Figura 1. Por conveniência, a unidade para a energia elétrica é o terawatt-hora (trilhão de watt-hora), equivalente a 3,6 petajoules (1 PJ = 1015 joules). O total da eletricidade produzida no Brasil equivale a 2,48 EJ, ou seja, cerca de 20% da OIE. Os dois maiores usuários são os setores industrial e residencial, que juntos 54% da eletricidade usada no Brasil. Notemos que as perdas na transformação correspondem a 15% do total. Elas são relativamente baixas pois a maior parte da eletricidade, 76%, provém de fontes renováveis, hidráulica, eólica e solar, que não demandam a conversão de energia térmica em energia elétrica.
Pronto, agora sabemos de onde vem a oferta interna de energia do Brasil e onde ela é usada. Podemos prosseguir em futuros posts com maiores detalhes e algumas séries históricas muito interessantes que mostram um país em profunda transformação em algumas décadas. A história de energia é também a história da riqueza de um país.