A origem da palavra Robot (ou Robô)

A palavra Robot, no sentido de um humanóide artificial, foi aplicada pela primeira vez em 1920 pelo escritor Karel Čapek  (1890 – 1938) na sua peça teatral R.U.R.: Rossum’s Universal Robots ou os Robots Universais de Rossum. Etimologicamente, deriva da palavra checa robotnik, trabalhador forçado. Rossum é o nome do inventor dos robots na referida peça, o clássico cientista “puro” que buscava criar formas de vida artificial. Seu filho, Rossum Júnior, era um engenheiro pragmático, que logo percebeu que poderia, usando as técnicas de seu pai, fabricar robots em massa e ganhar muito dinheiro. Os primeiros robôs, ao contrário daqueles de nossos dias, eram produto da química. A pesquisa sobre vida artificial, ou ALife em inglês, ainda continua até hoje. Não é a pesquisa mais popular, mas realiza suas conferências e possui até um periódico especializado. Para saber mais, procure, por exemplo, pelo livro R.U.R. and the vision  of artificial life, editado por Jitka Čejková, MIT Press 2023. O livro contém uma tradução atualizada (para o inglês) da peça original de Čapek e contribuições de cientistas sobre a pesquisa em ALife.

Karel Čapek não gostou muito quando viu que sua “invenção” foi apropriada para designar produtos das engenharias mecânica, elétrica e eletrônica, isto é, os robôs que conhecemos hoje. Ele não reconhecia neles a sua ideia original de organismos vivos, ainda que incapazes de se reproduzir. Ou como diríamos hoje em dia, robots de matéria mole e não robots de matéria dura. Porém, acabou por aceitar a captura por engenheiros do nome por ele inventado. Certamente, o fato de que o desenvolvimento de vidas artificiais encontra-se ainda muito mais atrasado do que o dos robôs mecânico-eletro-eletrônicos contribuiu para o esquecimento de Čapek e sua peça. Os robôs químicos, tal como desenvolvidos pela família Rossum, ainda hoje estão longe de existirem.

O princípio do projeto dos robôs de Rossum era simples: tome-se um ser humano, elimine-se dele tudo o que é supérfluo, e deixe-se apenas o suficiente para que seja um trabalhador inteligente, incansável, e totalmente desprovido de emoções. Apesar de serem assexuados, eram fabricados na forma de homens e de mulheres, lembrando que os órgãos de reprodução faziam parte do supérfluo. Os robôs eram fabricados, não se reproduziam. Lembremo-nos que eles se destinavam a substituir os trabalhadores nas suas mais variadas atividades. Ainda que robôs na forma de homem ou de mulher possuíssem exatamente as mesmas capacidades, para os seres humanos que iriam interagir com eles era agradável que fisicamente se assemelhassem a nós o mais possível. 

A fábrica de robôs Rossum detinha o monopólio mundial de sua produção, pois as descobertas do velho Rossum eram muito complexas e obscuras para serem reproduzidas. A boa e velha espionagem industrial não funcionava, pois os empregados da fábrica, com a exceção de meia dúzia de humanos nos mais altos escalões, eram robôs e, portanto, incorruptíveis. Como não tinham desejos a satisfazer ou ambições a impulsioná-los, era impossível extrair de algum deles os segredos de fabricação. Os quais, aliás, eles ignoravam, quando mais não fosse por total falta de curiosidade em desvendá-los.

Quando a peça começa, a empresa R.U.R. está em plena expansão, exportando centenas de milhares de robôs para todo o mundo. A demanda por mão de obra barata, trabalhadores satisfeitos em trabalhar 24 horas por dia, 7 dias por semana, dóceis e inteligentes era insaciável. Com isto, claro, o desemprego crescia assustadoramente. Porém, o CEO da R.U.R. apontava para o fato de que todos os bens e serviços estavam a ficar tão baratos que, em breve, seu custo seria zero. A competição entre as empresas era tão feroz, que a única maneira de manter seus mercados era reduzindo os preços. Por outro lado, se você pode ter acesso a tudo o que precisa para viver a custo zero, é claro que o fato de estar desempregado e sem salário torna-se irrelevante. Čapek não explora as consequências econômicas de uma deflação tão brutal. Talvez algum brilhante economista do século XXI adote como tema de pesquisa esta economia ZERO da utopia RURiana.

O futuro radiante da Humanidade na peça pode ser visto como uma sátira ao comunismo que, com a ditadura do proletariado, prometia mais ou menos a mesma coisa aos trabalhadores do mundo inteiro. Ou pelo menos, como uma brilhante intuição de Čapek sobre o futuro. A peça foi escrita em 1920, portanto, poucos anos depois da Revolução de Outubro e estados comunistas, como o mundo viria a conhecer ao longo do século 20, eram ainda uma distante e incerta miragem. Com a experiência de mais de um século, sabemos muito bem que a “ditadura do proletariado” nunca se realizou. O que se realizou foram as ditaduras de autocratas cruéis, as épocas de Terror, as Revoluções Culturais e uma burocracia estatal opressora, agarrada ao poder, uma nova burguesia ou, melhor, uma nova aristocracia. A Utopia RURiana também não acabaria bem, apesar da visão de seu CEO de um futuro radiante para todos nós.

Os primeiros sinais de problemas surgem quando os países começam a comprar centenas de milhares de robôs para serem soldados e lutarem em suas guerras. Para a empresa, o importante era vender cada vez mais robôs e ganhar cada vez mais dinheiro. Čapek nada nos diz se os preços dos robôs caiam na mesma proporção dos outros preços da economia mundial, mas isto é pouco provável, tendo em vista o absoluto monopólio da R.U.R., de fazer inveja a qualquer um de nossos bilionários. A ideia de que a satisfação de todas as necessidades humanas, a um custo praticamente nulo, levaria a uma época de paz duradoura desmorona face às ainda mais duradouras ambições humanas por poder.

O segundo personagem, que aparece logo no início da peça, é uma linda jovem, filha do “nosso” Presidente, Miss Glory, que quer conhecer a fábrica e os métodos de fabricação. Ao longo da trama, revela-se que ela pertence à Liga da Humanidade, com mais de duzentos mil membros, cuja missão é “libertar” os robôs. Se eles são externamente idênticos aos humanos e inteligentes, para Miss Glory e seus colegas de Liga, é inacreditável que eles não “sintam” como humanos. Vale a pena reproduzir um diálogo entre Domin, o CEO, Helena e Sulla, a secretária-robô de Domin.

HELENA So pleased to meet you. You must find it terribly dull in this out-of-the-way spot, don’t you?

SULLA I don’t know, Miss Glory.

HELENA Where do you come from?

SULLA From the factory.

HELENA Oh, you were born there?

SULLA I was made there.

HELENA What?

DOMIN [Laughing] Sulla is a Robot, best grade.

HELENA Oh, I beg your pardon.

DOMIN Sulla isn’t angry. See, Miss Glory, the kind of skin we make. [Feels the skin on SULLA’s face.] Feel her face.

HELENA Oh, no, no.

DOMIN You wouldn’t know that she’s made of different material from us, would you? Turn round, Sulla.

HELENA Oh, stop, stop.

DOMIN Talk to Miss Glory, Sulla.

SULLA Please sit down. [HELENA sits.] Did you have a pleasant crossing?

HELENA Oh, yes, certainly.

SULLA Don’t go back on the Amelia, Miss Glory. The barometer is falling steadily. Wait for the Pennsylvania. That’s a good, powerful vessel.

DOMIN What’s its speed?

SULLA Twenty knots. Fifty thousand tons. One of the latest vessels, Miss Glory.

HELENA Thank you.

SULLA A crew of fifteen hundred, Captain Harpy, eight boilers       

DOMIN That’ll do, Sulla. Now show us your knowledge of French.

HELENA You know French?

SULLA I know four languages. I can write: Dear Sir, Monsieur, Geehrter Herr, Cteny pane.

HELENA [Jumping up] Oh, that’s absurd! Sulla isn’t a Robot. Sulla is a girl like me. Sulla, this is outrageous! Why do you take part in such a hoax?

SULLA I am a Robot.

HELENA No, no, you are not telling the truth. I know they’ve forced you to do it for an advertisement. Sulla, you are a girl like me, aren’t you?

DOMIN I’m sorry, Miss Glory. Sulla is a Robot.

HELENA It’s a lie!

DOMIN What? [Rings.] Excuse me, Miss Glory, then I must convince you.

[Enter MARIUS.]

DOMIN Marius, take Sulla into the dissecting room, and tell them to open her up at once.

HELENA Where?

DOMIN Into the dissecting room. When they’ve cut her open, you can go and have a look.

HELENA No, no!

DOMIN Excuse me, you spoke of lies.

HELENA You wouldn’t have her killed?

 DOMIN You can’t kill machines.

HELENA Don’t be afraid, Sulla, I won’t let you go. Tell me, my dear, are they always so cruel to you? You mustn’t put up with it, Sulla. You mustn’t.

SULLA I am a Robot.

HELENA That doesn’t matter. Robots are just as good as we are. Sulla, you wouldn’t let yourself be cut to pieces?

SULLA Yes.

HELENA Oh, you’re not afraid of death, then?

SULLA I cannot tell, Miss Glory.

HELENA Do you know what would happen to you in there?

SULLA Yes, I should cease to move.

HELENA How dreadful! DOMIN Marius, tell Miss Glory what you are.

MARIUS Marius, the Robot.

DOMIN Would you take Sulla into the dissecting room?

MARIUS Yes.

DOMIN Would you be sorry for her?

MARIUS I cannot tell.

DOMIN What would happen to her?

MARIUS She would cease to move. They would put her into the stamping-mill.

DOMIN That is death, Marius. Aren’t you afraid of death?

MARIUS No.

DOMIN You see, Miss Glory, the Robots have no interest in life. They have no enjoyments. They are less than so much grass.

HELENA Oh, stop. Send them away.

Referência: Capek, Karel. R.U.R. (Dover Thrift Editions: Plays) (p. 9). Dover Publications. Kindle Edition.

Quando Sulla responde à pergunta de Helena, se ela não tem medo da morte, sua resposta é “não sei dizer”. Sulla não foi programada para entender o significado desta pergunta e muito menos para sentir medo. Ela é, em toda a aparência, um ser humano. Mas, sem “alma”. Ou será sem “consciência”? Consciência de si, consciência dos outros. É a mesma resposta que dá Marius à pergunta se ele não sentiria pena de ver Sulla morrer. “Não sei dizer”. A palavra pode até estar em meu vocabulário, mas ela não corresponde a nenhuma memória, a nenhuma sensação. Sulla e Marius são organismos como um ser humano na sua versão mais simples, onde tudo que é inútil ou excessivo para a finalidade para a qual foi concebido foi removido de seu projeto. Em suma, o robô é uma espécie de “versão de entrada” de um ser humano, como um automóvel despido de todos seus opcionais. Domin completa com “robôs não se interessam pela vida”.

Passemos direto para o final (quase). Helena termina casando com Domin, que havia se apaixonado por ela desde o primeiro instante e passa a morar na ilha onde fica a fábrica. Seus únicos companheiros humanos são Domin, os engenheiros, cientista e administrador que cuidam da empresa. No todo, meia dúzia de pessoas. No terceiro Ato, eles se defrontam com uma revolta global dos robôs, chefiada por um robô chamado Radius, que se ocupava da biblioteca da empresa. No segundo ato, Radius já havia demonstrado sua revolta contra os humanos e é enviado para ser destruído. Porém, Helena impede sua “execução”. Não vou contar como os robôs chegam a este estado de revolta e matam os seres humanos do mundo inteiro e os da ilha também, exceto um, o arquiteto Alquist, responsável pelo Departamento de Manutenção. Os robôs conquistaram o Poder eliminando seus mestres, mas, aparentemente, esqueceram-se que, como não podem se reproduzir, precisarão continuar a ser fabricados. Como toda máquina, eles tem um tempo de “vida” finito. Só que Alquist é incapaz de fazê-lo, pois não possui os conhecimentos necessários e Helena havia destruído todos os papéis do velho Rossum. O Epílogo da peça é algo melodramático, pois Čapek, no fundo, é um otimista.