Demografias I
Em economia, o único parâmetro de altíssima confiabilidade preditória é a demografia. Deixando de lado pandemias globais (e veremos que não podem se-lo), a população de um país e suas causas, a fertilidade (número de bebês por mulher no ciclo de sua vida reprodutiva) e expectativa de vida, variam lentamente. Podemos, com razoável segurança, prever o número de habitantes e sua distribuição etária dentro de uma década, com muito maior confiança do que podemos prever o índice da Bolsa dentro de um mês. Porque está capacidade predatória é importante? Por uma razão muito simples: a evolução demográfica de um país define uma de suas mais importantes políticas públicas: a Previdência Social. Nenhum político, nenhum economista, pode dizer que não viu chegar uma crise da Previdência Social que demanda mudanças rápidas e drásticas de suas políticas. Apesar disto, implementar mudanças na Previdência Social é um dos assuntos mais espinhosos da política de um país. Mudanças demográficas são inevitáveis e predizíveis, mas, para passar esta mensagem não é das coisas mais fáceis. Neste post e em alguns outros futuros, vou reunir alguns dados muito interessantes, que todo mundo conhece ou deveria conhecer. A finalidade é facilitar a vida do leitor que deveria conhece-los, mas não tem tempo nem inclinação para o fácil trabalho de ir buscá-los. A fonte direta dos dados são do imprescindível site “Our World in Data” (OWD). Uma das ideias mais brilhantes que circulam no ciberespaço.
De início, concentro-me no Brasil. Como o fenômeno é universal, mas tem suas peculiaridades nacionais, depois mostrarei dados de alguns outros países selecionados.
Começo, então, com a mortalidade infantil e com a expectativa de vida, mostradas na Figura 1. Por conveniência de apresentação dos dados em uma única figura, fui obrigado a “massagea-los” um pouquinho. A mortalidade infantil é mostrada na taxa de 1 para 10 nascimentos, para os anos nos quais a informação está disponível no OWD. A expectativa de vida é mostrada em décadas.

Figura 1 – Brasil. Mortalidade infantil, em mortes de crianças até 5 anos, a cada 10 nascidas. Expectativa de vida em décadas. Taxa de fertilidade em número de bebês por mulher ao longo de sua vida reprodutiva.
Há muita informação na Figura 1. Vamos por partes. Em primeiro lugar a mortalidade infantil: enquanto, em 1960, 17 de cada 100 das crianças nascidas no Brasil não chegava a idade de 5 anos, em 2013 este número tinha caído por um fator de 10. A queda constante da mortalidade infantil no Brasil, durante meio século, é um indicador do progresso do país. O outro indicador é a expectativa de vida, que sobre regularmente, entre 1960 e 2019, de 52,7 anos até 75,3 anos, para cair entre 2021 para 72,8 anos. Ou seja, uma queda de quase 3 anos de expectativa de vida dos brasileiros. Adivinhe o leitor o que causou esta queda? A COVID-19? Com certeza. Mas, ainda mais as políticas negacionistas de Bolsonaro & Cia. Não sei se o leitor tinha se dado conta do impacto demográfico histórico da pandemia Brasil. E ainda há gente que idolatra o Sr. Bolsonaro. Haja ignorância!
O outro dado importante é a fertilidade. Até meados de 1970 ela mantinha-se acima de 6. A partir daí, ela começa a cair regularmente, anos após ano, para atingir 1,81 em 2021. Lembro ao leitor que uma fertilidade um pouco maior do que 2 é necessária para manter, endogenamente (isto é, sem imigração), a população de um país constante. Mantida a taxa de 2021, daqui para a frente a população do Brasil, repito, sem imitação, começará a diminuir e, naturalmente, a envelhecer.
Os três indicadores da Figura 1 apontam para um país que, apesar dos pesares, progride sustentadamente (não necessariamente, sustentavelmente) desde meados do século passado. Isto me leva formular o Paradoxo Brasileiro. O Brasil é um país o qual, olhado a cada instante de tempo, esta dando para trás. Porém, se olhado no longo prazo, o Brasil progride. Afinal que outro verbo usar para um país onde as crianças morrem menos e os adultos vivem mais?
Na Figura 2, mostramos o crescimento populacional do Brasil, relativo à sua população de 1960 (73 milhões, sendo 33,7 milhões e 39,4 milhões, respectivamente, urbana e rural). Note a leitora que, em 1960 (lembra-se a leitora de Brasília?), o Brasil era um país predominantemente rural.
 Figura 2 – Populações urbana e rural relativas (a 1960) do Brasil e taxa de fertilidade.
A Figura 2 mostra um país cuja população urbana (e total) explode e uma população rural declinante a partir da década de 1980. É a primeira boca de jacaré demográfica. O importante é que a população cresce rapidamente, ao mesmo tempo que a fertilidade declina! Este crescimento tem a ver com os dados mostrados na Figura 1, com a segunda boca de jacaré da expectativa de vida crescendo e a mortalidade infantil decrescendo. A queda de fertilidade tem tudo a ver com a urbanização da população brasileira. No campo, uma criança são duas mãos a mais para ajudar no trabalho rural, enquanto que, nas cidades, uma criança é uma boca a mais para alimentar e uma cabeça a mais para educar, coisas que custam caro. Além do mais, o ambiente urbano facilita o acesso à informação e aos meios de contracepção, além de desestruturar, para o bem e para o mal, as velhas culturas rurais e mesmo a família. Culpa da “Grande Transformação” de Karl Polanyi.
Finalmente, na Figura 3, mostramos a transição de rural para urbana da população brasileira.
Figura 3 – A relação entre a população rural e a urbana no Brasil desde 1960. A Figura mostra também a fertilidade, já vista anteriormente.
É curioso observar que o Brasil só deixou de ser um país predominantemente rural em 1964 (ano fatídico, sob outros aspectos – o autor concluiu seus estudos secundários e preparava-se para o vestibular – acabava-se a infância).
Com um pouco de sorte, em próximos posts, vou olhar para o mundo. Vale a pena a leitora tentar entender os gráficos deste aqui, para mais facilmente absorver os que virão pela frente.